Não existe palavra para descrever essa sensação. Essa percepção redundante que m rodeia e me amarra e me limita e me consome. O sentir já não é como antes, ou o é, mas diferente porque agora, neste tempo e espaço sem fins, eu sei, entendo o que são meus delírios e essas alucinações multicores do olhar e do ouvir no silêncio d’água. Estou inábil de continuar, mas ainda estou por aqui ou ali, escondido, encolhido, encoberto, não entendido... Estou inábil de permanecer, mas ainda estou. Escrevo, escrevo, reescrevo, mas não há palavra para descrever, ou ao menos esclarecer o que fica obscuro.
Um ciclo de descoberta, ou revelação, quiçá, de renascimento, esse ano-calendário foi estranhamente e, chegando a ser, até, grotescamente, transformador no sentido mais prosaico da palavra transformar. Mudar o sentido pode até causar espanto, pode até causar náuseas, até dores, até lampejos de quase não-vida, entretanto torna tudo o que vejo-cheiro-saboreio-ouço-toco e pressinto menos assustador, agora eu sei, agora eu sei mais, agora eu posso entender ̶ quando esse sibilado ensurdecedor não me atinge os ouvidos como um empuxo certeiro nas entranhas do meu cérebro ̶ ou ao menos tentar, porque tenho um norte. Um ciclo anômalo que levou anos para acontecer, me pareceu. Um ano-calendário que durou uma vida inteira de algum animal, me pareceu...
Incapaz de viver, assim, segurando-me nas paredes, segurando-me nas lembranças de outras vidas, talvez nem vividas, segurando-me dia após dia, noite após noite, segurando-me... O que sinto não tem nome, o que sinto tem código. O que sinto não tem tempo, é atemporal como a mesma sensação de sempre estar caindo. O que vejo não tem nome, mas tem som; e o que ouço não tem nome, mas tem cor, o que sinto não se sente... Não é sentido é vivido. Todas essas dicotomias em turbilhão me espancando e me destruindo, não me permite viver, o horizonte esta longe demais para quem não entende o que o é. Sem planos, sem rascunhos, sem esboço, sem retrato de mim... Não há forma em mim, não há movimento ou som, em mim.
(Escrevo, escrevo, reescrevo, mas não há palavra para descrever, ou ao menos esclarecer o que fica obscuro...).
Apagado, recortado, desmontado, envelhecido, esquecido... Ignorante para viver na ignorância, na busca do inalcançável, na busca do inacessível, na busca interna de algo que não está ali, porque não existe. Não existe palavra para descrever essa sensação. Em todas as línguas, de todos os povos, de todos os mundos, em todo o tempo. O tempo que nos rege como marionetes, que nos logra, que nos ultrapassa e nos destrói sem deixar vestígio, o tempo que passou e não vivi, é o mesmo tempo que me prende com garras em minha pele, que sangra e ninguém vê.