quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

Incapaz de viver (ou O Ano do Ponto e Vírgula). 1540.

 

Não existe palavra para descrever essa sensação. Essa percepção redundante que m rodeia e me amarra e me limita e me consome. O sentir já não é como antes, ou o é, mas diferente porque agora, neste tempo e espaço sem fins, eu sei, entendo o que são meus delírios e essas alucinações multicores do olhar e do ouvir no silêncio d’água. Estou inábil de continuar, mas ainda estou por aqui ou ali, escondido, encolhido, encoberto, não entendido... Estou inábil de permanecer, mas ainda estou. Escrevo, escrevo, reescrevo, mas não há palavra para descrever, ou ao menos esclarecer o que fica obscuro.

Um ciclo de descoberta, ou revelação, quiçá, de renascimento, esse ano-calendário foi estranhamente e, chegando a ser, até, grotescamente, transformador no sentido mais prosaico da palavra transformar. Mudar o sentido pode até causar espanto, pode até causar náuseas, até dores, até lampejos de quase não-vida, entretanto torna tudo o que vejo-cheiro-saboreio-ouço-toco e pressinto menos assustador, agora eu sei, agora eu sei mais, agora eu posso entender  ̶  quando esse sibilado ensurdecedor não me atinge os ouvidos como um empuxo certeiro nas entranhas do meu cérebro   ̶   ou ao menos tentar, porque tenho um norte. Um ciclo anômalo que levou anos para acontecer, me pareceu. Um ano-calendário que durou uma vida inteira de algum animal, me pareceu...

Incapaz de viver, assim, segurando-me nas paredes, segurando-me nas lembranças de outras vidas, talvez nem vividas, segurando-me dia após dia, noite após noite, segurando-me... O que sinto não tem nome, o que sinto tem código. O que sinto não tem tempo, é atemporal como a mesma sensação de sempre estar caindo. O que vejo não tem nome, mas tem som; e o que ouço não tem nome, mas tem cor, o que sinto não se sente... Não é sentido é vivido. Todas essas dicotomias em turbilhão me espancando e me destruindo, não me permite viver, o horizonte esta longe demais para quem não entende o que o é. Sem planos, sem rascunhos, sem esboço, sem retrato de mim... Não há forma em mim, não há movimento ou som, em mim.

(Escrevo, escrevo, reescrevo, mas não há palavra para descrever, ou ao menos esclarecer o que fica obscuro...).

Apagado, recortado, desmontado, envelhecido, esquecido... Ignorante para viver na ignorância, na busca do inalcançável, na busca do inacessível, na busca interna de algo que não está ali, porque não existe. Não existe palavra para descrever essa sensação. Em todas as línguas, de todos os povos, de todos os mundos, em todo o tempo. O tempo que nos rege como marionetes, que nos logra, que nos ultrapassa e nos destrói sem deixar vestígio, o tempo que passou e não vivi, é o mesmo tempo que me prende com garras em minha pele, que sangra e ninguém vê.

quinta-feira, 23 de março de 2023

À luz da janela

Por mais que eu negue, ainda estou sangrando
Por mais que eu negue, ainda estou tremendo
Por mais que eu grite, ainda estou mal
Por mais que eu finja, ainda estou sangrando
 
Se saio ao sol, sinto as dores que eu projetei
Se tento socializar, sinto sono e a vontade de chorar
 
Por mais que eu finja, ainda estou sangrando
Por mais que eu grite, ainda estou mal
Por mais que eu negue, ainda estou tremendo
Por mais que eu negue, ainda estou sangrando
 
Se saio, choro
Se fico, projeto-me...
 

terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

Sinais do tempo-espaço

Mande notícias codificadas
escondidas em fumaças e  olhares
Mande notícias de um outro tempo
quando já esquecido for
Mande saudade de outra vida
longe deste calendário errôneo
Mande esperanças de tempos de longe
sem árvore, sem vida, sem sombra de dúvidas
Mande um recado que eu possa sonhar
deixe-me ir com as mesmas lágrimas
Mande notícias do outro lado do tempo
o contrário daqui, o oposto de lá
Mande sinais, mande sinais...

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

Virando páginas/Sendo páginas

Querendo ser anjo, querendo ser ave

Querendo estar depois da paisagem

Querendo ser cor, querendo ser sol e flor

Deixando todo o tóxico que me golpeia 

Deixando a nostalgia no banco da praça

Querendo ser música mudando de ares

Querendo estar fora das páginas

Vislumbrando outras auroras ou demoras

Vislumbrando o que há de diferente acima

do horizonte

Querendo ser estação, querendo ser noite

Querendo ser folha, orvalho e silêncio

Querendo estar chuva

Querendo ser outra canção


domingo, 29 de janeiro de 2023

Manhã de domingo

Adormecido e torpe
os olhos mal conseguem se abrir para a luz
Esquecido e funesto
os músculos já não sabem se mover
Desaprovado e ermo
não distingo a escuridão do silencio 
Dias ordinários sem ter o que se fazer de errado
Nuvens em rasante sobre a íris despreocupada
Não são rasas as poças de lágrimas dessa jornada
As escolhas e as chances estão perdidas no vento
Silenciado e obscuro
nenhuma melodia me fará despertar
Lancinante e atroz
sem palavras para descrever o caos que se instala
Efêmero e derrotado
seria melhor não ter aparecido, quiçá não ter lembrado...


sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Menos de mim

O sol se deitou no oeste, as nuvens cobriram o céu
outro dia se foi tranquilo, menos eu...
As horas parecem irrelevante, as primeiras e as últimas
outra volta no relógio na parede, menos eu...
Uma música de dez anos atrás, a mesma emoção
outra lembrança repetida, menos eu...
O que eu deveria fazer com essas palavras?
Juntá-las em um pote no alto da estante?
Emoldurá-las na parede mais vazia da sala?
Não sei ao certo o que eu deveria sentir... ou não
 
Os carros passam velozes lá embaixo
Sons invadem a noite da cidade, menos eu...
Já é tarde da noite e não consigo me desligar
as cordas que me prendem são fortes demais
Minhas dores, minhas angustias vívidas ainda hoje
Está difícil para dormir e esquecer o inferno
O que eu deveria fazer com essas palavras?
Por que eu deveria esperar o amanhã?
Onde está meu remédio para o esquecimento?
 
As apostas foram feitas para mais um ano
Todos contam com a sorte, menos eu.

sábado, 17 de dezembro de 2022

Não se pode sair da conexão

A luz se levanta das frias montanhas

Os raios despertam as copas das árvores 

Meus olhos outrora cerrados se inclinam a se abrir

Frente a mim o azul infinito de um céu esquecido 

nas palmas de minhas mãos a grama orvalhada...

Sinto o som dos animais matinais

Sinto o balanço dos troncos mais altos

Sinto o movimento do riacho ao longe

Sinto os pássaros nas copas e seus saltos

Cambaleio e levanto enchendo os pulmões

Com os aromas de flores e partículas de luz

Paraliso-me e concentro-me - sou uma árvore

Meus pés se aterram e o vento me abraça

circulando-me pedindo uma dança...

Sinto a força do bater das menores asas

Sinto o calor e a brisa na palma da mão

Sinto as mudanças climáticas a cada momento

Sinto o pólen, o aroma, a fragrância do verão